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Foto do escritorAdriana Tamashiro

Um case real de sucesso da quebrada

O que fatias de bolo, negócios, espaços seguros e comunidades tem a ver?



Imagem gerada por IA (Adobe Firefly).


A paixão do meu pai sempre foi jogar sinuca. Após muitos tombos na vida, ele conseguiu abrir em São Miguel Paulista, extremo leste de São Paulo, uma sinuca.


Eu, na minha arrogância juvenil de quem achava que entendia de comunicação sem nem sair das fraldas, disse: “Oooo pai, mexe aí na iluminação, pinta as paredes, faz ficar com cara de snooker de verdade” (olha o viés mandando lembranças).


Meu pai olhou torto e respondeu: “Se eu fizer isso, as pessoas não vão entrar aqui”.


O ambiente é até hoje uma mistura de sofás e cadeiras sem nenhum padrão (e não estou falando da estética descolada Vila Madá), mesas de jogos, caixas e TV sempre no futebol. Nas paredes, ele fez questão de pendurar todos os quadros que fiz no primeiro ano da faculdade e MORRO DE VERGONHA, só para dizer: “Minha filha quem fez”. Eu, hater, criticava chamando de estética feia e ele nunca deu ouvidos. Hoje eu sei que estava absurdamente errada.


Sobre a experiência que faz querer voltar: você não precisa pedir nada. Se entrou e sentou, água e um pote de plástico laranja com salgadinhos sabor queijo (que possuem, na verdade, sabor de infância, anos 90) magicamente surgem na sua mesa e você fica em dúvida e desconfiada se come, porque não sabe se tem que pagar até ser informada que é cortesia com refil infinito. 😍


Ele sobrevive assim há anos. Sobreviveu à pandemia e tem um público que além de frequentar todo final de semana, leva o restante da família para o estabelecimento. Inclusive bebês e mães que precisam e querem desesperadamente um segundo de pausa. Método Montessori? Opa! Telefones velhos quebrados com mais de 20 anos, caixas de papelão, dominós, bolinhas e sachês são entretenimento garantido para horas. Minha filha de 2 anos se diverte mais do que com brinquedo caro.


Sobre relevância, estratégias na contramão e sustentação: a porta não é escancarada e precisa apertar campainha, embora seja de vidro. Ele não aceita cartão, nem fiado, embora limite as próprias vendas. Isso significa, que a pessoa precisa se informar e se preparar antes de ir, pois não é como entrar em qualquer lugar. O desconforto da não comodidade, obriga a tomada de atitudes mais conscientes financeiramente (e na visão dele, evita que as pessoas consumam ácool demais e gerem confusão no estabelecimento).


Tem um quê de “se está aqui dentro, você é especial, porque não é qualquer um que entra nessa casa”. Ele acabou, sem querer, criando uma comunidade em que um foi indicando para o outro, até novos laços se formarem. As mesas e pessoas se misturam. E dá um certo horário ele toca todo mundo para casa dormir mesmo. (Ahhh os limites! ❤️)


Se ele tivesse me escutado naquela época, sem as ferramentas e conhecimentos que tenho hoje, eu teria matado a alma do negócio.


Ele criou algo que conecta afetivamente as pessoas. Um espaço seguro frequentado por famílias inteiras que realmente voltam por se sentirem em casa.

Nem sempre a gente precisa de referências de marcas enormes ou unicórnios nadando em oceano azul para entender um modelo de sucesso.


Eles podem estar no estabelecimento da esquina e se sustentam porque não se preocupam somente em captar clientes consumidores a qualquer custo, mas sim, em construir relacionamentos reais. O dono da “lojinha” normalmente sabe da vida do bairro inteiro. Isso é valioso e difícil sustentar, tanto que criamos personas que orientam o próprio negócio e qualquer estratégia de comunicação como forma de clusterizar e facilitar o entendimento por “blocos” de características.


Mas, na parte de relacionamento, o dono da lojinha pode ser capaz de oferecer experiências extremamente personalizadas, porque possui informações privilegiadas que transmitem a mensagem, em ações, de que relacionamentos importam, mesmo quando as pessoas não consomem nada. E pode ser só um aceno com “bom dia e o nome da pessoa, perguntando se o filho doente está melhor”.


Para mim, referências reais de cases pequenos, sem pompas e prêmios tem servido de inspiração para construir comunidades profissionais com o conceito de “casa”, a partir da premissa de funcionarem como espaços seguros e formarem redes de apoio entre pessoas nos momentos de alegria e de tristeza, na fartura ou no aperto.


E não se trata sempre de dar o que as pessoas querem, mas sim, entender através de muito exercício de escuta o que elas precisam e atuar como o “dono da lojinha” antes de oferecer curadoria para o mercado, criando pontes alternativas e extremamente customizadas.

No fim, profissionais em um mesmo segmento estão todos comendo algumas fatias do mesmo bolo. Existem duas opções de interação entre as pessoas comedoras de bolo: ou você partilha o bolo, trocando experiências e ajudando a dar ideias de melhoria para todos os envolvidos e para o futuro daquele grupo, ou come o máximo que conseguir, sai de fininho e tem dor de barriga em casa, sem ninguém se importar com a sua saúde porque você também não quis saber do bem-estar de ninguém, nem se preocupar se todos teriam um pedaço.

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